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A ARQUITETURA DE ERNESTO GUAITA EM CURITIBA – PARTE 2

Atualizado: 31 de out. de 2023

Começarei este texto reiterando, mais uma vez, que Ernesto Guaita é uma personalidade de suma importância para a história da cidade de Curitiba e que, apesar disso, prossegue na obscuridade sem que lhe sejam dados os devidos créditos pela sua contribuição profissional. Talvez isso se dê pelo personagem de temperamento forte e pelas várias polêmicas envolvendo seu nome, que ficaram registradas nas páginas dos jornais da época... mas nada disso oblitera (ou deveria obliterar) sua contribuição para a cidade.


Continuando a postagem anterior sobre o Guaita, vou trazer aqui mais alguns trechos da pesquisa realizada em 2010 para a dissertação do meu mestrado na UFSC, com algumas atualizações.


No texto anterior (que pode ser encontrado neste link: https://www.arquitetandomundoafora.com.br/post/a-arquitetura-de-ernesto-guaita-em-curitiba) fiz uma brevíssima explanação sobre a vida de Guaita. Mas, conforme comentei no texto, meu objetivo de pesquisa não é a vida pessoal dele, mas sim sua contribuição para a arquitetura e para o urbanismo da cidade de Curitiba. Sobre a biografia dele temos outras pessoas que se aprofundaram no assunto.


O texto completo da dissertação de mestrado intitulada “A produção arquitetônica de Ernesto Guaita em Curitiba PR” pode ser encontrado na íntegra em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/94352


E ENTÃO, QUAL FORAM AS OBRAS DE ERNESTO GUAITA?


Algumas obras aqui citadas não possuem imagens, nem informações complementares, (como datas, usos, etc.) pelo fato de terem sido obras particulares, estarem completamente descaracterizadas ou já não existirem mais, além de não possuírem nenhum registro público que permitisse a complementação de seus dados.

[1] As atividades originais são caracterizadas como a função para a qual o edifício foi projetado.

[2]Como “principais atividades desempenhadas”, considera-se o uso que o edifício desempenhou ao longo de sua história, de maior significância ao ponto de atualmente ser reconhecido como tal.


1888 - Primeira planta cadastral da cidade


Em solicitação do Município de Curitiba, Guaita realiza em 1888 a primeira planta cadastral da cidade, onde foi planejada a expansão para acompanhar seu evidente crescimento.


O traçado de Guaita seguia o modelo de linhas reticuladas onde já estabelecia ruas de suma importância como as avenidas Sete de Setembro, Visconde de Guarapuava, Silva Jardim e Iguaçu, todas com largura de 30m, fato que demonstra sua percepção de espaço e funcionalidade urbana. É considerado o melhor plano de arruamento da cidade.


Em seu projeto, Guaita estabelece as ruas XV de Novembro e Barão do Rio Branco (então Rua da Liberdade) como eixos reguladores e traça todo o arruamento paralelo a estes. Esta postura resultou no traçado que encontramos no centro da cidade, que foi o plano que previu a expansão das áreas de comércio e indústria da época, chamado de “Nova Coritiba” (Dudeque, 1997).


Segundo o historiador Marcelo Sutil:

“Guaita foi responsável, na década de 1880, pela proposta de toda a malha urbana, semelhante a um tabuleiro de xadrez, encontrada entre a antiga estação ferroviária e o centro urbano. Na sua correspondência à Câmara, termos como simetria e ofensa à estética ilustram bem um vocabulário comum e encontrado em vários documentos dos camaristas.” (SUTIL 2009 pg. 120)


Guaita possuía um senso estético aguçado, juntamente com uma noção de espacialidade únicas para a época. Em parecer emitido para a Câmara Municipal de Curitiba, em 1885, Guaita já apontava procedimentos necessários para as melhorias propostas na cidade antiga em direção à cidade nova (termo utilizado para denominar o espaço de expansão da cidade, que abrangia os Bairros Rebouças e Água Verde).


A preocupação de Guaita com o planejamento urbano não abarcava tão somente a estética. Temas como higiene e salubridade constituíam fatores considerados pelo engenheiro como essenciais no procedimento de planejamento.


Estas posturas adotadas por Guaita no final do século XIX tiveram singular impacto no desenvolvimento urbano da cidade, tanto que sua intervenção é ainda evidente no traçado da cidade e foi mantido pelos vários outros planejadores que transformaram Curitiba num referencial de planejamento urbano como é conhecida atualmente.


Esquema gráfico com a projeção do que seria o Plano Guaita sobre o mapa de Curitiba

Simulação do Plano Guaita (Nova Coritiba)

Mapa base: Google (2010) / com intervenção gráfica de Analu Cadore (2010)


Principais projetos de arquitetura


Além dos projetos urbanísticos, Ernesto Guaita foi responsável por alguns dos projetos dos edifícios mais importantes do fim do oitocento curitibano. Esta referida importância está no fato de serem invulgares testemunhos da arquitetura de um período que marcou profundamente o panorama urbano da capital.


Além disso, tais obras foram palco de importantes acontecimentos da história da cidade e desempenharam papéis que os marcaram a ponto de ainda hoje serem lembradas como tal. Por muitos anos sediaram os mais importantes órgãos e agências do estado, como a sede do Governo, do Banco do Estado do Paraná (BANESTADO), Câmara Municipal, e a principal sociedade de imigrantes italianos na cidade.


Para este trabalho foram selecionadas quatro de suas obras, conhecidas hoje como: Palácio Garibaldi, Câmara Municipal de Curitiba, Antigo BANESTADO e Museu da Imagem e do Som. Estes edifícios foram escolhidos por sua relevância e imponência no cenário urbano de Curitiba e do Estado, os quais compõem o acervo do Patrimônio Histórico do Estado do Paraná, tombados e salvaguardados pelo poder estadual.


A escolha destes específicos edifícios se deu por estarem hoje em condições de fomentar uma análise mais profunda sobre eles e por possuírem um acervo de documentos que permitem este estudo. Durante mais de uma década de pesquisa, várias informações de edifícios cuja autoria é atribuída a Ernesto Guaita acabou chegando ao meu conhecimento, mas muitos sem comprovação e muitas vezes baseado em boatos. E mesmo assim, muitos deles sem muito material para poder viabilizar uma análise compositiva e tentar encontrar um “DNA” que confirme ou refute tais boatos. Não que o conhecimento popular não seja uma fonte de pesquisa válida mas para processos de pesquisa científica as devidas comprovações são necessárias.


Com isso, pretende-se realizar um exercício de leitura arquitetônica de quatro edifícios projetados por Ernesto Guaita, a fim de verificar os princípios de composição e ornamentação de fachadas, plantas, inserção do edifício no lote, localização, entorno e através disto, reafirmar a importância de Guaita como um dos maiores nomes do ecletismo em Curitiba no final do Século XIX.


Os quatro exemplares arquitetônicos de Guaita e a cidade atual


Para começar a falar sobre as obras acredito que se faça necessária uma rápida análise do local onde estão inseridas. Digo isso pois a atuação de Guaita, como já visto, se deu também no âmbito urbanístico, e as obras estudadas aqui possuem relação direta ou estão em locais vinculados ao desenvolvimento da cidade.


As obras selecionadas para estudo localizam-se na área central da cidade de Curitiba, região caracterizada hoje pela intensa movimentação, forte comércio e atividades administrativas, onde circulam diariamente milhares de pessoas.


Mesmo no final do século XIX, esta região já possuía sua importância por condensar as principais atividades econômicas e administrativas da cidade. Com o passar dos anos, tais atividades foram se consolidando no local e construindo assim uma paisagem que mescla o antigo e o contemporâneo.


A região estudada, que compreende a faixa que parte da Antiga Estação Central, através da Rua Barão do Rio Branco, cruzando perpendicularmente a Rua XV de Novembro, abrangendo o Setor Histórico. O mapa a seguir delimita mais precisamente a área em estudo, situando-a em relação à cidade e localizando as edificações abordadas.


Mapa com o entorno à Rua Barão do Rio BRanco, XV de Novembro e Setor Histórico de Curitiba

Mapa de localização dos edifícios estudados

Mapa base: Fonte: IPPUC /1998 Com intervenção gráfica de Analu Cadore/2008


A Rua Barão do Rio Branco


Situada na região central, a antiga Rua da Liberdade tem seu início na Antiga Estação Ferroviária e Praça Eufrásio Correia, seguindo até a Praça Generoso Marques, cruzando as Avenidas Marechal Deodoro e XV de Novembro.


Sua arquitetura concentra um grande número de edifícios que se destacam pela representatividade histórica, retratos de um período marcante para a cidade, onde começou a se formar a paisagem arquitetônica da então capital.


No final do século XIX, era conhecida como “a rua do poder”, pois era nela que se situavam o Palácio do Congresso, o Palácio do Governo e o Paço Municipal. Foi nesta rua que pela primeira vez uma linha de bondes circulou pela cidade. O estacionamento destes bondes localizava-se na frente do Congresso, onde ainda hoje se podem encontrar os trilhos remanescentes.


Hoje em dia pode-se perceber a imponência do casario circundante, que ressalta ainda mais a importância deste local. Atualmente está em curso um plano de revitalização de toda a rua, até a Rua Riachuelo que leva ao Passeio Público, antiga rota de produtos e trecho de forte circulação. Como a Rua Barão do Rio Branco tem seu início na Estação de trem, antiga porta de entrada da cidade, o chamado Eixo Barão - Riachuelo se consolidava como rota de quem chegava à cidade e seguia sentido ao litoral do estado, seguindo a Rua Riachuelo, passando pelo Passeio Público e seguindo pela Estrada da Graciosa em direção à Paranaguá.


Imagem dos Sobrados Tombados como patrimônio histórico da Rua Barão do Rio Branco em frente à Praça Eufrásio Correia

Casario da Rua Barão do Rio Branco, em frente à antiga estação - 2010

Acervo da autora


Guaita contribuiu em diversas áreas para a nova feição da capital. Os locais onde implantou suas obras eram de destaque no novo cenário que se construía. Os edifícios da Câmara Municipal (Palácio Rio Branco) e da Residência Weiss (que mais tarde veio a servir como sede do Governo do Estado) encontram-se na Rua Barão do Rio Branco. As características da rua na época em que os edifícios projetados por Guaita foram construídos era composta por edifícios de até três pavimentos, construídos no alinhamento, como mandava o Código de Posturas.


Rua Barão do Rio Branco 1905

Rua Barão do Rio Branco vista a partir da rua XV de novembro. Destaque para o prédio da antiga estação ao fundo – foto de 1905

Fonte: Boletim Casa Romário Martins – Coleção Júlia Wanderley

Autor: Anibal Requião


Rua Barão do Rio Branco Curitiba início do século XX

Foto mostrando a Rua Barão do Rio Branco, então Rua da Liberdade, no início do século xx. À esquerda, o edifício da Residência Weiss e ao fundo a antiga Estação Ferroviária.

Fonte: Boletim Casa Romário Martins – Coleção Júlia Wanderley

Autor desconhecido


Rua XV de Novembro


Também conhecida como Rua das Flores é considerada o coração de Curitiba, onde se concentra um dos mais importantes conjuntos urbanos da cidade. Foi a primeira rua no país a ser fechada ao tráfego de automóveis, privilegiando os pedestres.


Em meados do séc. XIX era chamada de Rua da Imperatriz, em homenagem à visita do casal imperial em 1880. Depois, em 1889 passou a chamar-se XIV de Novembro devido à Proclamação da República.


O trecho compreendido entre as praças Santos Andrade e Osório tem sua paisagem tombada pelo Patrimônio Histórico do Estado, por possuir grande parte do casario eclético do final do século XIX, intercalado por algumas edificações modernas. Sua arquitetura é testemunho dos vários estágios que a cidade passou, possuindo edifícios ecléticos, art-noveau, art-déco e até modernistas.


Rua XV de Novembro Curitiba 1896

Foto da Rua XV de Novembro em 1896

Fonte: Casa da Memória

Autor Desconhecido


Rua XV de Novembro na década de 1900. Destaque para o edifício de Manoel Cunha

Rua XV de Novembro na década de 1900. Destaque para o edifício de Manoel Cunha

Fonte: Arquibrasil


Rua XV de Novembro – 2010

Rua XV de Novembro – 2010

Acervo da autora


Praça Garibaldi


Localizada em pleno Centro Histórico, antigamente conhecida como Largo do Rosário, devido à Igreja do Rosário logo adiante, a Praça Garibaldi recebeu este nome em Homenagem a Giuseppe Garibaldi e à Sociedade Garibaldi, que se encontra em frente à praça.


Ladeada por edifícios de singular importância e imponência, a praça configura um dos mais importantes endereços da cidade. Edifícios como o Palacete Wolf, sede da Fundação Cultural de Curitiba, a Igreja do Rosário, Palácio Garibaldi e outros casarios importantes historicamente dividem o espaço da praça, além do famoso Relógio das Flores.


Extensão da região conhecida por “Largo da Ordem”, denominação oriunda do espaço diante da Igreja da Ordem, coração do Centro Histórico de Curitiba, hoje é um dos endereços mais nostálgicos da cidade. A grande concentração de centros culturais e artísticos, além de bares e Igrejas consolida ainda mais o local como ponto turístico e de encontro.


Largo da Ordem em 1880 Curitiba

Largo da Ordem em 1880

Fonte: Casa da Memória

Autor desconhecido


Nas linhas anteriores foi realizado um breve apanhado sobre o contexto em que as quatro obras selecionadas estão inseridas na cidade, abordando sua localização e entorno e a vinculação destes espaços com a história de Curitiba.


Como pudemos perceber, os quatro edifícios que serão apresentados estão localizados na área central da cidade, onde sua história está vinculada diretamente à história do desenvolvimento urbano de Curitiba. Três dos quatro edifícios escolhidos para estudo encontram-se em áreas bastante próximas (Palácio Rio Branco, Palácio da Liberdade e Antiga Residência e Comércio Cunha), sendo que o Palácio Rio Branco e o Palácio da Liberdade estão localizados na mesma rua, distanciados apenas alguns quarteirões um do outro. Já o Palácio Garibaldi está relativamente mais afastado dos demais, mas ainda inserido no contexto histórico da cidade.


Nos textos seguintes abordaremos as quatro obras selecionadas para este trabalho de forma individual, realizando o exercício de leitura caso a caso, fazendo para tanto a apresentação dos edifícios em ordem cronológica.


Referências


DUDEQUE, Irã Taborda. Cidade sem véus: doenças, poder e desenhos urbanos. Editora Champagnat. Curitiba PR. 1995 1a Edição

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da arquitetura no Brasil. Editora Perspectiva. São Paulo SP. 2004

GNOATO. Salvador. Arquitetura do movimento moderno em Curitiba. Travessa dos Editores. Curitiba, 2009.

KERSTEN, Márcia Schultz de Andrade. Os rituais do Tombamento e a Escrita da História. Editora UFPR. Curitiba PR – 2002.

LYRA, Cyro Corrêa. SOUZA, Alcídio Mafra de. Guia dos Bens Tombados – Paraná. Editora Expressão e Cultura. Rio de Janeiro RJ. 1994

SUTIL, Marcelo. O Espelho e a Miragem: Ecletismo, Moradia e Modernidade na Curitiba do Início do século XX. Travessa dos Editores. Curitiba 2009.


Blog Curityba em preto e branco: http://curitybaempretoebranco.blogspot.com/

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